sexta-feira, 18 de outubro de 2024

HALLOWEEN (1978 - 1981)

HALLOWEEN (1978)
Halloween (1978) é, sem dúvida, o filme que solidificou John Carpenter como um mestre do horror e deu origem ao que hoje conhecemos como o "pai dos slashers" (sim, eu sei que antes há uma série deles). A simplicidade da história e da execução poderia ser uma receita para o desastre, mas o que temos aqui é uma aula de terror minimalista que ainda é capaz de assustar hoje em dia.

A famosa música de Halloween, composta pelo próprio Carpenter, foi criada por uma razão muito prática: orçamento. Orquestras são caras, mas sintetizadores são baratos. E com um orçamento tão apertado, Carpenter decidiu assumir o papel de compositor. E adivinhem? Funcionou de forma genial. Mas antes de o filme ter essa banda sonora icónica, os primeiros visionamentos foram feitos sem música. Parece que os produtores ficaram perplexos porque... bem, o filme não metia medo. Era apenas um homem estranho a espreitar por arbustos. A música de Carpenter transformou isso em pesadelos auditivos.

Agora, o filme em si é o chamado "slow burn". Uma introdução simples, com dois planos, que já nos coloca no mood perfeito para o que vem a seguir. O genérico, com a abóbora iluminada ao som daquelas notas angustiantes, prepara-nos psicologicamente. É uma espécie de "este filme vai mexer contigo, mas espera só um bocadinho". A primeira cena, passada em 1963, é feita em POV (acho que é esse o termo), num long-shot hipnótico que nos faz sentir como se estivéssemos a espiar alguém, até culminar num contra-plano que revela o assassino: uma criança! Michael Myers, em todo o seu esplendor infantil, acaba de matar a irmã mais velha. Não vemos facadas explícitas, algo que lembra Psycho, onde a violência está mais no que imaginamos do que no que realmente vemos. Agora, imaginem alguém a ver isto pela primeira vez. Uma criança com uma faca na mão, a encarnar o mal puro. É desconcertante.

Logo depois conhecemos o Dr. Loomis, interpretado por Donald Pleasence, que se refere ao Michael como "it" e não "him", o que só reforça a ideia de que Myers não é um ser humano. E aqui começa a lenda do Boogeyman. Michael escapa do hospital, e depois temos o clássico stalker mode ativado. Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), a nossa heroína, fica marcada quando vai deixar uma chave na casa dos Myers. A partir desse momento, ela torna-se a obsessão de Michael. Não há explicação lógica para isso, mas quem precisa de lógica quando se está a lidar com o mal encarnado?

Michael começa a seguir a Laurie por todo o lado, mas sempre de forma... relaxada. Ele nunca corre. Porquê correr? Ele sabe que vai apanhar a vítima eventualmente. O lado mais bizarro de Myers é que ele é meio mirone e até provocador. Há toda uma sequência estranha com a Annie na lavandaria, onde a porta se fecha e ela fica presa. Não, não foi o Michael, mas de alguma forma já estamos a contar os segundos até ela ser apanhada. Spoiler: ela morre no carro, não antes de Myers matar o cão da família, porque, aparentemente, cães também não estão a salvo. E é interessante que a morte da Annie só acontece aos 54 minutos. Sim, o filme leva o seu tempo, mas quando a violência começa, não pára.

Outro detalhe saboroso para os fãs de cinema é a cena em que as crianças estão a ver The Thing (1951), o filme que Carpenter viria a refazer em 1982. Uma piscadela para o futuro, e talvez uma forma de dizer "ei, eu adoro sci-fi, mas por agora vamos focar-nos no terror".

Depois temos o pequeno Tommy. Um miúdo chato que está obcecado com a história do Boogeyman, mas, no final, até tinha razão. O Dr. Loomis, neste ponto, ainda está relativamente normal, parecendo um psiquiatra dedicado. Mas à medida que o filme avança, percebemos que ele começa a descer numa espiral de obsessão com Michael.

As mortes continuam, claro. O namorado da Lynda é espetado numa parede (literalmente) na cozinha, numa das cenas mais icónicas do filme, com Michael a tirar uns segundos para admirar a sua obra. E depois, vem a parte em que Myers decide ser um brincalhão, disfarçando-se com um lençol e os óculos do namorado morto para ir ter com Lynda. E, sim, são as únicas mamas (.)(.) que vemos no filme, caso estivessem a contar.

Finalmente, o tão esperado confronto entre Laurie e Michael acontece aos 77 minutos. Ela foge, desesperada, batendo à porta de um vizinho que, numa decisão "brilhante", decide ignorá-la completamente. Mas o mais perturbador é que Myers nunca corre, só caminha. Porque, lá no fundo sabemos que ele vai apanhar. É uma perseguição física  mas também psicológica.

O momento em que Laurie apunhala Michael pela primeira vez e ele se reanima é a verdadeira transição de Michael de "gajo doido" para o Boogeyman. Até então, ele era apenas um psicopata teimoso. Agora, é indestrutível, o puro mal. Mesmo depois de levar seis tiros do Dr. Loomis e cair de uma varanda, Michael desaparece, e o filme termina com vários planos da casa ao som da sua respiração e da música arrepiante de Carpenter. Não há final feliz aqui. Só resta a promessa de que o mal nunca morre.


HALLOWEEN 2 (1981)

O Halloween II de 1981 começa como se estivéssemos a retomar o final do primeiro filme, mas com uma reviravolta sonora inesperada: em vez da icónica trilha minimalista do John Carpenter, temos... "Mr. Sandman". Sim, essa música doce e sonhadora, que, a meu ver, combina com psicopatas em fuga da mesma forma que sapatos de palhaço combinam com casamentos. Mas adiante. Revemos as mesmas cenas do final de 1978, apenas com um pequeno reshoot do Michael Myers a levar uns tiros e a cair da varanda. Se viram o primeiro filme, já sabem que isto não é problema para ele – o homem levanta-se na primeira cena pós-créditos como se nada fosse, pronto para mais uma noite de carnificina.

Aliás, mal se passam 11 minutos e já temos a primeira morte, uma cena tão rápida que parece que Michael estava a fazer hora extra e precisava despachar-se. Laurie, depois do pesadelo de ser perseguida por um irmão psicopata (sim, já lá vamos), vai parar ao hospital local, onde é atendida por um médico claramente com mais álcool no sistema do que bom senso. E quem é que ainda está mais maluco dos cornos neste filme? O Dr. Loomis, claro! Se no primeiro já parecia estar à beira de um colapso nervoso, aqui está a dois passos de se tornar o próprio vilão. Aliás, num momento particularmente confuso, ele é indiretamente responsável pela morte de um inocente, o que me fez questionar se não devíamos considerar uma intervenção psiquiátrica para ele também.

Agora, falando em intervenção, quem é que pode acreditar num hospital praticamente deserto? Eu sei que é uma cidade pequena, mas um hospital vazio parece mais um cenário de um episódio de Twilight Zone do que um filme de terror. E claro, temos o clássico segurança barrigudo e bigode farto. O pobre homem mal tem tempo de se mostrar, e já está a levar uma martelada na cabeça aos 38 minutos. Cena rápida, sem pinga de sangue – quase uma desilusão.

E, claro, há sempre personagens desenhadas para apimentar as coisas. Uma enfermeira "badalhoca" com mamas (.)(.) proeminentes (porque, por algum motivo, este é um critério de seleção essencial no casting dos anos 80) partilha uma das cenas mais caricatas do filme: um jacuzzi. Sim, um jacuzzi no meio de um hospital. Quem sou eu para questionar a lógica de design hospitalar? Nessa mesma cena, o companheiro da enfermeira é previsivelmente estrangulado, mas o plano foca-se tanto nela que, por momentos, quase esquecemos que estamos a assistir a um assassinato. A cereja no topo do bolo é quando a própria enfermeira é morta, afogada e queimada no jacuzzi. Uma combinação criativa, na melhor morte do filme.

Entre as cenas surreais, há um momento na escola com o Loomis, onde encontramos a palavra "Samhain" pintada numa parede. Para quem está a tentar acompanhar a lógica, é neste ponto que descobrimos que Michael e Laurie são irmãos. Sim, irmãos. E se isto vos parece ridículo, então não estão sozinhos. Esta reviravolta cai no filme como um balde de água fria (ou quente, dependendo do jacuzzi).

Voltando ao hospital, o Dr. Mixter – aquele que parece só estar no filme para morrer – é eliminado fora do ecrã com uma seringa no olho. Outra enfermeira tem um fim igualmente trágico com uma seringa espetada na cabeça. Michael, claro, persegue Laurie ao estilo gato e rato, e há mais uma enfermeira que encontra o destino nas mãos do vilão, desta vez sendo levantada com um bisturi nas costas. Nada de novo aqui, apenas mortes eficazes e diretas.

Ao longo do filme, Michael parece estar mais lento, quase como se fosse uma versão robótica de si mesmo. Talvez seja o peso dos tiros que vai acumulando ao longo da noite. Ele atravessa uma porta de vidro como se fosse feita de papel, corta a garganta de um polícia após levar uns balázios, e continua impassível.

No final, sobra Loomis e Laurie. Ele ainda é esfaqueado por Michael, mas Laurie consegue disparar e acertar-lhe nos olhos, deixando-o desorientado e a sangrar. Aqui entra uma cena de pura tensão: Laurie e Loomis abrem umas botijas de gás e o Loomis, num ato de sacrifício, faz-se explodir junto com Michael. Claro que, como manda a tradição, Michael ainda dá uns passinhos antes de cair.

O filme termina, curiosamente, da mesma forma que começa: com "Mr. Sandman". Talvez seja uma piada cósmica sobre como todos acabam por voltar aos mesmos pesadelos.

Se o Loomis neste filme transformou-se num personagem de exposition ambulante (alguém tem de explicar quem é Michael e por que é que ele continua a matar), o realizador Rick Rosenthal tentou imitar o ritmo mais lento e psicológico do primeiro filme. Mas John Carpenter, que escreveu o guião, pressionou para um ritmo mais frenético, com mais gore e mais vítimas, por causa da concorrência com Friday the 13th. O problema? Enquanto o original de 1978 inspirou centenas de filmes de terror, esta sequela parece ter sido inspirada pelas suas próprias cópias. Em vez de manter a essência original, caiu na armadilha dos clichés do género.

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