terça-feira, 12 de novembro de 2024

SNAKE IN THE EAGLE'S SHADOW (1978)

Snake in the Eagle's Shadow (1978), realizado por Yuen Woo-ping, é o filme de artes marciais que marcou uma viragem na carreira de Jackie Chan e no cinema de kung fu. A história gira em torno de Chien Fu (Jackie Chan), um jovem pobre e tímido, que é alvo constante de bullying da malta da escola de kung fu onde tpassa a vida nas limpezas. Este filme destaca-se como uma história de superação, pois, ao longo do enredo, Chien aprende a defender-se dos agressores com a ajuda de Pai Cheng-Tien, um mestre bêbedo da técnica do “Punho da Serpente”, o que lhe permite enfrentar seus opressores, tanto físicos quanto emocionais.

No que diz respeito ao bullying, Snake in the Eagle’s Shadow explora esse tema de forma muito humana e empática. No início, Chien é vulnerável, quase invisível, constantemente menosprezado e maltratado pelos outros. Essa autodescoberta e transformação ocorre quando Chien começa a treinar kung fu e ganha confiança. Ele é uma representação de alguém que aprende a afirmar-se e a libertar-se da opressão. Isso torna a história acessível e inspiradora, pois o público vê Chien não só como um lutador, mas como uma pessoa que triunfa sobre a adversidade pessoal e social. Sim, eu vi essas camadas todas num filme de kung-fu dos anos 70.

No panorama do cinema, este filme influenciou profundamente a indústria, especialmente no género de artes marciais. Em vez de se concentrar no kung fu rígido e sério popularizado por Bruce Lee, Snake in the Eagle's Shadow introduziu a comédia física, que se tornou a imagem de marca de Jackie Chan. Esta abordagem inovadora combina as sequências de acção com humor físico, muitas vezes extraindo humor das quedas e das situações improvisadas que ocorrem durante as lutas. Isso trouxe uma nova dinâmica ao cinema de kung fu e transformou Jackie Chan numa nova espécie de herói das artes marciais: alguém que é vulnerável e engraçado, ao mesmo tempo que possui habilidades extraordinárias.

Falar deste filme, é falar do genérico do filme é uma das cenas mais memoráveis, servindo como uma exibição dos skills físicos e atléticos de Jackie Chan. Ele executa uma série de movimentos de kung fu fluidos e complexos, onde demonstra tanto agilidade quanto destreza. Esta sequência é um prelúdio do que virá e prepara o público para o tipo de ação e comédia que define o filme.


Snake in the Eagle's Shadow foi um dos primeiros filmes a dar a Chan a liberdade para explorar o seu estilo único de comédia física, combinando slapstick e coreografia de luta de modo inovador. Esta abordagem estabeleceu um novo paradigma no cinema de acção, influenciando desde os filmes de kung fu até às comédias de acção ocidentais, onde Jackie viria a consolidar ainda mais essa identidade única ao longo da carreira.

É, sem dúvida, um dos filmes da minha vida. A minha introdução ao cinema de Jackie Chan, aquele que é o meu super-herói da Sétima Arte.

domingo, 3 de novembro de 2024

HALLOWEEN (2007 - 2009)

A versão de Halloween de 2007, realizada por Rob Zombie, é uma montanha-russa de brutalidade e desconforto que troca o suspense subtil do clássico de John Carpenter por um banho de sangue explícito e um retrato quase caricatural de degradação social. O filme começa com o jovem Michael Myers, de máscara de palhaço, a matar ratinhos inocentes. Já percebemos que o clima é pesado. E a família? Essa é o pior pesadelo de qualquer terapeuta: uma mãe stripper, um padrasto abusivo e uma irmã que mal lhe dá atenção. Numa casa que parece saída de um pesadelo, fica claro que a infância de Myers é tão acolhedora como um campo minado.

Pode ser que o ambiente na escola seja melhor para Myers. Nada disso... Ele sofre bullying pesado... mas em vez de se limitar a guardar a raiva para si, ele deita tudo cá para fora. O que acaba por ser terapêutico. Ele segue um dos valentões e mata-o violentamente à paulada, ainda com a máscara de palhaço. Rob Zombie deixa claro que a palavra "subtileza" não faz parte do seu vocabulário: o suspense psicológico do filme original vai às urtigas, trocado por uma estética de violência crua e cenas gráficas de violência em câmera lenta.

Mas este show de horror está só a começar. O jovem Michael, agora totalmente à solta, amarra o padrasto ao sofá e degola-o sem hesitar. De seguida, ele vai ao quarto da irmã, e, num acto macabro, troca de máscara — é a primeira vez que vemos a clássica máscara branca — e mata-a à facada. Um detalhe esquisito? Ver uma criança pequena a usar a máscara clássica de Myers cria um efeito perturbador e desconcertante. Depois ele pega na irmã bebé, vai para o alpendre e espera pela mãe, como se nada fosse.

Então, o inevitável acontece: Michael é internado em Smith's Grove e dado como responsável pelos assassinatos. Começa a terapia com o Dr. Loomis, um psicólogo de crianças que até parece ter boa intenção. O próprio Loomis tenta entender o que há de errado com o puto, mas é inútil. Michael vai afundando cada vez mais numa espiral de violência e apatia, matando até uma enfermeira com um garfo. E, quando a mãe se suicida, a possibilidade de redenção parece desaparecer.

Após 38 minutos de carnificina e desgraça, avançamos 15 anos e encontramos um Michael Myers adulto — ou melhor, um gigante que parece o Hulk em modo psicopata. Neste momento, Loomis despede-se de Myers e decide lucrar com o os acontecimentos, lançando um livro sobre o caso. Myers mata mais alguns personagens secundários de forma casual. E claro, porque o Zombie não economiza no desconforto, temos uma cena absolutamente desnecessária de guardas da instituição que tentam abusar de uma paciente, mas que acaba em vingança sangrenta quando Michael, finalmente, escapa.

Finalmente, aos 54 minutos, conhecemos a final-girl, Laurie, que vive numa casa normal com uma família decente (dá para respirar no meio de tanto caos). Myers regressa à casa de infância em busca da sua máscara, e o tema clássico de Carpenter toca ao fundo — um aceno ao filme original, mas que logo é deixado de lado por mais mortes estilizadas e em modo shaky-cam.

Os momentos que homenageiam o original são, na verdade, "homenagens em esteroides": Myers mata o namorado de uma das amigas de Laurie, pendura-o na parede e, com lençol e óculos, aparece na frente da vítima. É uma referência divertida, mas exagerada. Até o Dr. Loomis acaba se tornando uma versão meio cínica, quase uma "Gale Weathers" (a repórter sensacionalista do Scream), disposto a explorar o terror para ganhar fama e dólares. Por outras palavras, o Loomis de Zombie parece pouco interessado no bem-estar de Myers; ele quer vender livros.

Rob Zombie reinventa a saga de Michael Myers com uma abordagem exagerada, onde toda a "mística" do personagem se dissolve num cenário hiper-realista. No filme original, Myers era um símbolo do mal inexplicável — qualquer pessoa, em teoria, poderia tornar-se num assassino sem razão aparente. Mas na visão de Zombie, ele é mais uma vítima de uma vida miserável, seguindo todos os clichés de um "retrato de um psicopata".

No fundo, Rob Zombie acaba por parecer mais adequado a um filme do Leatherface do que do Michael Myers. Todo o horror psicológico dá lugar à violência explícita e à exploração gráfica do trauma e da decadência humana. Claro, para quem gosta desse estilo de horror cru e visceral, é um prato cheio. Mas para quem curte a mística e a atmosfera sombria do original de Carpenter, essa abordagem pode soar como um exagero completo, onde o que era "terror" vira apenas "choque".

Eu estou do lado dos que defende Rob Zombie e do risco que tomou neste remake. Pode não acertar sempre, mas não copiou.

HALLOWEEN 2 (2009)
(texto escrito em 2019)

EM DEFESA DE ROB ZOMBIE

Bem, não é que o Zombie precise que venha alguém defendê-lo, mas vamos lá revisitar Halloween 2. 
Depois da saga de Halloween ter sido morta por Busta Rhymes e companhia no Halloween Resurrection, alguém tinha de se chegar à frente para tentar reanimar ou ressuscitar uma saga que John Carpenter criou com mãos de mestre. Qualquer realizador que fosse escolhido, teria sempre que fazer algo especial. Calhou a Rob Zombie a missão de fazer um remake. E mais valia chamar-se Halloween Origins. Foi imensamente criticado nesse remake, nomeadamente por se focarem demasiado no Michael Myers enquanto garoto e a tentar explicar a razão por que se tornou na Shape (ou Boogeyman). Apesar das críticas, o filme fez dinheiro suficiente (até então seria o mais rentável da saga) para justificar uma sequela directa. 
Eis que, dois anos volvidos, chega esta sequela que me traz aqui hoje. E desde já me confesso: tinha gostado bastante do primeiro, e a primeira vez que vi este 2, odiei. Mas odiei mesmo. Era daqueles haters intragáveis. Com o tempo, aconteceu uma coisa estranha: o ódio foi-se transformando, e é hoje, para mim, o melhor filme da saga (se excluirmos o clássico de Carpenter).
É que o filme tem ali tantas coisas boas. 

Vá, se era para fazer um remake de um daqueles filmes que é considerado dos melhores de sempre no género, então que seja algo diferente. E não podem acusar o Zombie de copiar o Carpenter. Criou algo à sua imagem. Podemos não gostar, mas diferente. 
Ora para este segundo, elevou ainda mais a fasquia. 

SPOILERS

O início do filme é um piscar de olho ao Halloween 2 "original", que se passava todo num hospital. Aqui, esse início também é num hospital mas tudo não passou de um sonho. Não nos apercebemos logo que se trata de um sonho, mas vão sendo deixadas pistas, nomeadamente o facto de estar sempre a tocar a mesma música dos Moody Blues na televisão. E essa música torna essa cena ainda mais "creepy", pois é tão contrária ao que se está a passar. Ah, lá pelo meio anda a Octavia Spencer como enfermeira a ser morta pelo Myers. No fim a Laurie Strode acorda e fim de cena.

Falemos então da Laurie Strode. Pode ser uma heresia, mas eu prefiro esta versão da personagem do que versão da Jamie Lee Curtis. Está completamente traumatizada com os eventos do primeiro filme e isso nota-se. 

POSITIVO

- Laurie Strode (Scout Taylor-Compton): personagem muito mais interessante e desenvolvida que a Laurie do passado.

- Annie Bracket (Danielle Harris): a melhor amiga que atura os traumas de Laurie, e que tem das mortes mais dramáticas de todo o franchise. Ah, e foi tão bom ver o regresso da actriz à saga depois de ter sido a protagonista do 4 e 5.

- Sheriff Lee Bracket (Brad Douriff): quando vê a filha morta, essa cena dá cabo de mim. Uma espécie de murro no estômago.

- Michael Myers (Tyler Mane): percebo quem não goste desta versão do Michael, mas é refrescante ver algo completamente diferente. Vemos sem máscara durante grande parte do filme. Ele é uma espécie de vagabundo barbudo, que não tem problemas em matar um cão para se alimentar, mas cada vez que coloca a máscara, sabemos que vem aí chacina. E já agora, creio que deve ser o único filme onde o Michael fala e grunhe.

- O filme é muito visual, explícito, visceral. É capaz de nos deixar mal dispostos.

NEGATIVO

- Dr. Loomis (Malcolm McDowell): aqui é um completo idiota, que quer amealhar dinheiro à custa do sofrimento. Passa o filme em palestras e programas de televisão a vender o seu livro e a ser uma espécie de escumalha para todos.

- O raio do Cavalo Branco: eu sei que deve ser metáfora para muita coisa, mas não é preciso tanto. 

Acabo com este ponto negativo, mas tenho de dizer em bom português: este filme é "fucking awesome".

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

TO KILL WITH INTRIGUE (1977)

To Kill with Intrigue é mais um daqueles filmes de artes marciais de Hong Kong que resulta da parceria entre o realizador Lo Wei e Jackie Chan. Este filme é, no entanto, uma excepção na carreira de Chan, já que, ao contrário de seu típico estilo cómico de luta, ele protagoniza uma história mais sombria, que envolve vingança, violência e amor trágico.

Ora no filme, Chan interpreta Lei Shao-feng, o herdeiro de uma família nobre que é atacada pelo clã de assassinas conhecido como Killer Bees. A líder das Killer Bees, Ding Can (interpretada por Hsu Feng), poupa Shao-feng após assassinar a sua família e fica estranhamente apanhadinha por ele. Isso desencadeia um relacionamento enigmático e disfuncional, que é marcado tanto por violência como por sentimentos contraditórios, e aí sim, vão sendo explorando temas de amor, ódio e vingança.

Embora o filme comece com uma premissa interessante e mesmo dramática, centrada em traições e emoções profundas, ele vai acabando por perder alguma coerência. A história segue uma linha confusa com personagens que entram e saem da narrativa, subplots que se desenrolam sem muita explicação e cenas de luta que, em vez de acrescentarem à narrativa, parecem por vezes deslocadas e desconexas. E sim, eu sei que vemos estes filmes pelas cenas de luta. Este desvio torna o filme confuso e dilui o impacto emocional e dramático que Lo Wei tenta construir. 
Muitos críticos e fãs interpretaram essa mudança como uma falta de foco da realização, que tenta misturar romance e vingança com um estilo de artes marciais que não se alinha com a abordagem de Chan.


To Kill with Intrigue foi um dos primeiros filmes em que Lo Wei dirigiu Chan, e a colaboração entre eles sempre foi tensa. Lo Wei, um realizador tradicional de filmes de acção, via em Chan uma estrela para substituir Bruce Lee, mas, ao mesmo tempo, não dava a Chan a liberdade criativa que ele desejava. Lo Wei insistia em moldar Chan para o papel de um herói sério e trágico, o que era claramente contrário ao talento natural de Chan para a comédia física e as suas habilidades de acrobacia.

Essa falta de alinhamento criativo contribuiu para a falta de coesão em To Kill with Intrigue e levou ao fim da parceria entre os dois, permitindo que Chan finalmente seguisse em direcção a um estilo próprio que mais tarde definiria toda a sua carreira.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

HALLOWEEN (1998 - 2002)

HALLOWEEN H20

Halloween H20 é um regresso nostálgico e cheia de referências pelo universo de Michael Myers. O filme, lançado em 1998, tem apenas 85 minutos — talvez o tempo exato que alguém consiga fugir do Michael Myers sem desmaiar. E este é um filme que não perde tempo com cenas desnecessárias. Aqui, tudo é compacto, direto ao assunto, mas com aquela dose de suspense clássica.

Logo no início temos uma novidade: nada de abrir o filme com o genérico clássico; em vez disso surge uma introdução ao som de uma voz off do Dr. Loomis (voz que nos dá arrepios automáticos) e uma montagem de fotos de jornais. Parece até uma tentativa de "documentário true crime" — algo que até encaixa na atmosfera dos anos 90, cheia de documentários sobre serial killers. Com isso, fica claro que Halloween H20 não é só mais uma continuação; ele tenta recomeçar a saga - o chamado reboot. Após o desastre narrativo que foi o sexto filme da saga, cheio de pontas soltas e cultos aleatórios, a produção decidiu ignorar completamente os eventos dos filmes 4, 5 e 6. Isso não só limpa a trapalhada (apesarde eu ter gostado dessa trapalhada), como devolve à história o essencial: Myers atrás de um familiar, a irmã Laurie Strode, num revival moderno que respeita o filme original.

A decisão de lançar o filme nos cinemas e não direto para vídeo foi inspirada pelo sucesso de Scream, que trouxe o terror adolescente, o slasher, de volta às bilheteiras. De fato, Halloween H20 respira o mesmo ar autoconsciente e até irónico de Scream — e não é à toa, já que Kevin Williamson, argumentista do slasher de Wes Craven, ajudou a reescrever algumas cenas aqui. Esta foi uma manobra de mestre: " Scream homenageava Halloween, então nada mais justo que Halloween H20 empreste um pouco daquele charme metatextual. Para celebrar o sucesso e os 20 anos da saga, os produtores convenceram a icónica Jamie Lee Curtis a regressar e reviver Laurie Strode, agora mais amarga, alcoólica, traumatizada, e com uma nova identidade na ensolarada Califórnia, que tenta superar o passado com a ajuda de um copo de vinho aqui e ali.

Como sempre, Myers aparece como o stalker profissional, mirone que observa sua presa antes de agir. Mas aqui ele parece um tanto franganote, como se os 20 anos também pesassem para ele. Com uma máscara que varia de cena para cena, Michael nunca foi tão desajeitado — mas, de algum modo, isso não tira o suspense. E se o filme começa com um jovem Joseph Gordon-Levitt que aparece apenas para ter uma morte off-camera (isso nãose faz!), Myers recupera o ritmo ao atacar brutalmente a enfermeira Marion com uma faca no pescoço. Welcome back Michael.

O elenco merece destaque: Jamie Lee Curtis brilha ao lado de Josh Hartnett, que interpreta o seu filho e têm uma química ótima. Ver os dois juntos é uma das melhores partes do filme; ele quer seguir em frente e viver sua juventude, enquanto Laurie está congelada no passado. LL Cool J também rouba as cenas como o porteiro aspirante a escritor de ficção "marota". Além disso, há uma cena deliciosa entre Jamie Lee Curtis e sua mãe, Janet Leigh, ao som de acordes de "Psycho" — como não sorrir com essa referência e o carro icónico do filme de Hitchcock? É como um breve crossover de duas das maiores scream queens do cinema.

No fim das contas, Halloween H20 é um slasher de ritmo acelerado, que consegue o equilíbrio entre homenagem e reinvenção. Com uma atmosfera dos anos 90 e personagens carismáticos, o filme é uma boa celebração da saga, mesmo que Michael Myers aqui pareça, às vezes, mais desastrado do que assustador. É uma diversão rápida, que não tem vergonha de rir de si mesma — e nós agradecemos. Afinal, se Myers voltou dos mortos tantas vezes, nós também podemos perdoar uma máscara esquisita aqui e ali.


HALLOWEEN RESURRECTION

"I'll see you in hell"

What the fu%€...

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

SHAOLIN WOODEN MEN (1976)

Shaolin Wooden Men é um dos primeiros filmes de Jackie Chan enquanto protagonista, e foi lançado numa época em que ele ainda estava a tentar sair da sombra de Bruce Lee. Neste filme, Jackie Chan interpreta Little Mute, um jovem que não só é mudo, mas também carrega um passado doloroso: ele testemunhou a brutal morte do seu pai. Este evento traumático molda toda a sua jornada enquanto tenta aprender kung-fu, ultrapassar o seu medo e, claro, obter vingança. Sim, porque isto é uma história de vingança. 

A narrativa gira em torno da sua formação no templo Shaolin. E uma das particularidades deste templo? Os famosos “Homens de Madeira” (Wooden Men) que dão título ao filme. São uma série de "estátuas" de madeira que parecem saídas de um parque de diversões mortal para praticantes de kung-fu. Não são os adversários mais simpáticos, mas fazem parte do treino essencial para qualquer aprendiz de Shaolin. É como passar num exame da escola, mas em vez de resolver equações ou escrever redações, tens de lutar contra uma linha de bonecos de madeira que te tentam matar à porrada. 

Ao longo do filme, Little Mute vai aperfeiçoando as suas habilidades em diferentes estilos de kung-fu, de diferentes mestres, o que oferece uma verdadeira jornada de autodescoberta. O rapaz não é apenas bom no tau-tau, mas tem coração. À medida que desenvolve as suas técnicas, ele também vai ganhando uma espécie de "sabedoria zen", enfrentando os seus próprios demónios internos (e externos) e preparando-se para vingar a morte do pai.

Depois, o filme oferece uma galeria de paisagens deslumbrantes. Desde os belos templos até as montanhas e florestas, há algo poético nas locais escolhidos, o que torna Shaolin Wooden Men muito mais do que apenas um filme de ação — é quase uma experiência espiritual. E os combates? É impossível não reparar nas coreografias bem elaboradas, marca de Jackie Chan, que desde cedo mostra a sua criatividade e destreza física.

E finalmente a vingança: o clássico confronto final, onde Little Mute finalmente enfrenta o responsável pela morte do seu pai. É aquele tipo de cena que faz o público segurar a respiração, apesar de sabermos que Jackie Chan vai sair vitorioso. O seu personagem evoluiu de um rapaz traumatizado e silencioso para um guerreiro completo, capaz de enfrentar os seus medos (e os seus inimigos).

O legado de Shaolin Wooden Men estende-se até a obras como Kill Bill, de Quentin Tarantino. O filme de Tarantino é uma verdadeira homenagem aos clássicos de kung-fu dos anos 70, e não há como ignorar as semelhanças, especialmente no treino da Noiva sob a tutela do mestre Pai Mei. Ambos os filmes exploram o processo de aprendizagem no kung-fu como uma jornada espiritual e emocional, envolvendo superação pessoal, disciplina e, claro, muita vingança.

Shaolin Wooden Men é um exemplo perfeito do início da carreira de Jackie Chan, onde ele ainda estava a encontrar o seu estilo, misturando ação e humor. Apesar do seu personagem não dizer uma palavra durante quase todo o filme, as suas acrobacias falam por ele. 

Por detrás de toda a ação e cenários exóticos, há uma história de redenção e superação. Little Mute transforma-se num herói que não só bate em bonecos de madeira, mas também vence as suas limitações pessoais, superando o trauma da infância e encontrando paz.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

HALLOWEEN (1988 - 1995)

Halloween 4: O Regresso de Michael Myers é um filme que, para os fãs do slasher clássico, promete o regresso do vilão de máscara branca após o hiato do terceiro filme, que tentou (e falhou) afastar-se da figura icónica. No entanto, o resultado é uma mistura de nostalgia, horror e algumas escolhas um pouco questionáveis – com espaço até para uma pitada de humor involuntário.

O filme começa com um genérico digno de cinco estrelas. A paisagem de outono, acompanhada apenas pelos sons da natureza e uma música arrepiante, coloca-nos no mood certo para o que se segue. 

WELCOME TO HELL

Depois deste prelúdio quase poético, caímos numa cena de exposição forçada – mas que acaba por ser prática. Somos apresentados a um guarda que gentilmente resolve explicar os eventos dos dois primeiros filmes aos médicos que vão buscar o nosso amigo Michael Myers. Esta parte é particularmente engraçada quando percebemos que o motivo para esta pequena palestra é a falta de direitos para usarem imagens dos filmes anteriores. Nada como um resumo oral para poupar uns trocos.

Logo de seguida, a primeira morte: Michael, que estava em coma (ou numa sesta prolongada), decide acordar de forma pouco amistosa na ambulância e espeta o polegar na testa do pobre médico. 

Segue-se a introdução da dupla Jamie e Rachel. Jamie é uma órfã em plena crise existencial, o que não ajuda nada quando começa a ter visões assustadoras de um homem mascarado que ela, estranhamente, nunca viu antes. Coincidências de Halloween, imagino. Já Rachel é aquela típica adolescente que, num mundo ideal, deveria estar preocupada com namorados e festas, mas que acaba por ter de lutar pela sua vida. O charme da personagem é contrastado com o retorno do Dr. Loomis, agora com queimaduras de terceiro grau (cortesia do segundo filme), o que o faz parecer um sobrevivente teimoso mais resistente que um Nokia 3310 (os putos não vão perceber a referência). Aliás, havia uma explicação no argumento para a sua sobrevivência milagrosa, mas acharam por bem mandá-la às urtigas. Afinal, quem é que precisa de lógica quando estamos num slasher?

À medida que o filme avança, acumulam-se as mortes, incluindo uma off-camera (o pobre assistente do xerife), mas a mais memorável talvez seja a da filha do xerife, que leva uma espingarda espetada na barriga. Já viram que neste universo de Halloween, parece que todos os xerifes têm filhas boazonas, destinadas a morrer de maneiras grotescas. E se pensavam que o pinga-amor Brady ia salvar o dia, desenganem-se – apesar de resistir um pouco, acaba com a cabeça esmagada.

O clímax do filme traz-nos uma perseguição vertiginosa no telhado, onde Michael, apesar de ser mais lento que um caracol, consegue manter uma tensão constante enquanto tenta apanhar Jamie e Rachel. A dupla escapa com a ajuda de alguns rednecks texanos armados, que estão mais prontos para uma caça ao homem do que para uma visita à mercearia. No fim, a solução para o problema Myers é simples: uma data de balázios no bucho.

Mas é claro que este filme não podia terminar com um simples "Michael morreu". Nada disso. Jamie toca no corpo de Michael, e é como se a maldição passasse para ela. A cena final é um belo soco no estômago, com Jamie a protagonizar um remake pessoal do primeiro filme, onde parecia que o final feliz estava garantido… até não estar.

Resumidamente, se estavam à espera de muitos momentos de facadas, preparem-se para ficarem um pouco desiludidos. Neste filme, o nosso vilão prefere usar força bruta.
Aliás, a sua famosa máscara é outro ponto
de humor involuntário. A máscara que ele usa no filme é quase uma paródia. Quando deveriam ter usado a máscara do poster, por motivos "técnicos" acabaram por usar uma que parecia saída de uma compra de última hora numa loja de desconto, estilo Primark.

Halloween 4 consegue ser um slasher divertido e nostálgico, mas com vários momentos em que o humor (intencional ou não) aparece para aliviar a tensão. Com todos os defeitos que possa ter, eu adoro!

Halloween 5: The Revenge of Michael Myers (1989) é uma daquelas sequelas que deixam qualquer fã de horror confuso, intrigado e, às vezes, a questionar as escolhas da produção. Desde o início, já percebemos que estamos prestes a embarcar numa viagem um tanto bizarra. O filme começa com um genérico a negro, entrecortado por umas facadas numa abóbora, como quem diz: "hei, estamos no Halloween..." Mas a música não é a clássica de John Carpenter. Um primeiro sinal de alerta, como se o filme nos avisasse para baixar as expectativas.

A história começa exatamente onde o anterior terminou, com Michael aparentemente “morto” (claro que não). Mas em vez de algo espetacular, descobrimos que ele fugiu... por um buraco. Um buraco! A fuga de um dos maiores assassinos do cinema é reduzida a uma aventura tipo Indiana Jones, enquanto o nosso Michael é arrastado por um rio, como se estivesse a flutuar para umas férias forçadas. Um eremita encontra-o e, por algum motivo, decide cuidar dele durante um ano inteiro. Uma espécie de "convalescência do mal". O Michael acorda e, numa das cenas mais rápidas do filme, mata o seu salvador. Assim mesmo, sem cerimónia.

Saltamos um ano, e encontramos Jamie, a sobrinha de Michael, num hospital psiquiátrico. A pobre miúda agora está muda e sofre com pesadelos sobre os eventos passados. E para piorar, parece que ela e Michael desenvolveram uma espécie de ligação telecinética. Porque, claro, se há algo que Halloween precisava, era de superpoderes mentais! Enquanto isso, o Dr. Loomis reaparece, cada vez mais obcecado e louco. Donald Pleasence aqui está numa performance digna de alguém que claramente já não sabe bem o que está a fazer no filme, mas mesmo assim tenta salvar o barco.

Um dos maiores insultos aos fãs do filme anterior acontece aos 21 minutos, quando Rachel, uma das personagens mais adoradas, é morta. Uma simples facada e pronto, adeus Rachel! Seria pedir muito uma morte mais dramática para ela? Afinal, ela sobreviveu ao filme anterior e merecia algo mais... épico! Mas não, o filme mal lhe dá atenção e move-se rapidamente para novas introduções, como Tina, a amiga meio desmiolada e super irritante. Tina é o tipo de personagem que queremos que seja morta cedo, mas o filme insiste em mantê-la viva, talvez só para nos torturar.

E por falar em tortura, o filme apresenta dois polícias que parecem ter saído de uma comédia maluca dos anos 80, totalmente descontextualizados com o resto da narrativa. É quase como se eles tivessem entrado o set de filmagem errado. Não há outra explicação! Felizmente, eles são mortos fora de cena, poupando-nos a mais momentos embaraçosos.

Voltando ao Michael, ele não perde o seu toque provocador. Num dos momentos mais caricatos, risca o carro do namorado da Tina, aquele típico gajo de casaco de cabedal e óculos escuros que se preocupa mais com o carro do que com a namorada. Pouco depois, espeta-lhe uma forquilha na testa. Como se não bastasse, ele ainda faz-se passar pelo namorado, usando outra máscara, e vai buscar a Tina num dos momentos mais tensos do filme. Quase que sentimos pena dela... mas não.

O último acto do filme é uma sequência confusa e apressada. Michael persegue Jamie de carro, mas Tina, a tal amiga irritante, tem o seu momento de redenção e sacrifica-se para salvar a menina. Uma reviravolta inesperada, dado que Tina parecia ser do tipo que ia abandonar tudo por uma festa.

No clímax, Loomis faz de Jamie um isco para atrair Michael de volta à sua casa. Lá, Jamie convence Michael a tirar a máscara. O Loomis intervém e Michael é capturado, aparentemente terminando o ciclo de violência. Ou pelo menos era o que pensávamos, porque na cena final, o tal homem misterioso de preto – que aparece no filme com tanta relevância quanto um figurante – invade a esquadra, mata toda a gente e liberta Michael. Quem é ele? O que quer? Nem a produção sabia ao certo. E nós ficamos na mesma.

E por último, é inevitável perguntar: será que não dava mesmo para pagar os direitos da máscara original do William Shatner? Ver Michael com aquela versão genérica deixa um gosto amargo, como se estivéssemos a olhar para uma imitação barata daquilo que já foi uma grande ameaça.

Halloween 5 é um filme que tenta ser mais do que consegue e acaba por ser uma confusão, com personagens mal aproveitadas, subtramas que não levam a lado nenhum e um final que só nos deixa com mais perguntas do que respostas.

Halloween 6: The Curse of Michael Myers (Producer’s Cut) é um filme que desafia qualquer tentativa de lógica narrativa, e isso começa de forma tão peculiar que não há como não rir um pouco com o absurdo. A trama abre com Jamie Lloyd, agora crescida e em trabalho de parto, a ser empurrada numa maca para um local tão sinistro quanto cliché – uma mistura entre hospital e câmara de tortura. Para dar as boas-vindas ao bebé, surge o misterioso Homem de Preto, que não só aparece como rapidamente desaparece, levando o bebé consigo. Olha que belo início de um drama familiar.

O filme mergulha rapidamente no terreno das bizarrices com um ritual macabro envolvendo a criança, enquanto a voz icónica do Dr. Loomis (Donald Pleasance) ecoa, tentando dar seriedade ao momento. Contudo, com um enredo destes, nem a gravidade de Pleasance salva. Jamie consegue escapar com a ajuda de uma enfermeira que, é claro, se torna na primeira vítima de Michael Myers – a boa e velha máquina de matar que não deixa ninguém escapar, nem mesmo a boa samaritana que tentou ajudar. Pelo menos as mortes são sempre um pouco criativas. Logo depois, vemos uma vítima aleatória sofrer uma morte memorável, com o pescoço a dar uma volta de 180 graus – um efeito prático que os fãs de horror sempre apreciam.

De volta ao enredo (?), somos apresentados à final girl, uma mãe adolescente com um filho que ouve vozes (sim, a saga Myers adora crianças problemáticas). E quem é que também regressa? O pequeno Tommy Doyle, o puto do primeiro Halloween, agora adulto, interpretado por um jovem Paul Rudd, que mais parece um voyeur com tendências estranhas, que espreita a vizinha enquanto ela se despe. Nada creepy... Depois temos o Dr. Loomis, mais velho e cansado, com uma desculpa meio esfarrapada sobre o porquê de já não ter as cicatrizes do filme anterior. Donald Pleasance faz o que pode com o material, mas fica claro que este é o seu último papel – e, infelizmente, a energia não é a mesma de outros tempos.

A morte de Jamie, aos 22 minutos, com uma singela facada, parece uma injustiça terrível. Depois de ser uma personagem tão importante desde o quarto filme, merecia muito mais do que essa morte pouco épica. Mais tarde, como que por coincidência ou destino cósmico estranho, Tommy encontra o bebé de Jamie. Conhecemos também os novos Strode, que inexplicavelmente (há lá uma explicação sobre mercado imobiliário) vivem na antiga casa dos Myers. Sabemos que essa ideia nunca dá certo. A mãe desta família tem a honra de morrer à machadada, uma morte bem sangrenta para agradar os fãs de gore.

Jamie, que pensávamos estar morta, reaparece viva no hospital, mas só para sofrer mais um pouco com visões perturbadoras que revelam que o pai do seu filho é, nada mais, nada menos, do que o próprio Michael Myers (sim, parece que as coisas não podiam ficar mais bizarras, mas ficam). Claro, logo depois de nos assombrar com essas visões, Jamie é morta com um tiro na cabeça – e aqui acaba sua triste história. A seguir, o pai Strode também encontra o seu fim, e honestamente ficamos aliviados porque ele era insuportável.

No final, as coisas ficam ainda mais estranhas quando o culto de Thorn entra em cena, revelando que Michael não é apenas um assassino implacável, mas um escravo da seita. O filme termina com um twist meio ridículo, onde o símbolo de Thorn é “passado” para Loomis, enquanto Michael Myers continua vivo e bem, porque, claro, ele é Michael "fucking" Myers.

O grande problema desta "trilogia Thorn" é a total falta de planeamento. Isso explica, pelo menos em parte, a demora entre o quarto e o quinto filme, e a confusão crescente que culmina no sexto. Esta versão, a Producer's Cut, tem um tom diferente da versão para os cinemas. A "theatrical cut" é um corte mais MTV, com música de guitarras pesadas e flashes irritantes nas transições, além de ser bem mais sangrento. Mas, pelo menos, tem uma energia mais frenética que combina com o caos da história.

A ausência de Danielle Harris, que não voltou para o papel de Jamie, é sentida. A sua substituta não traz o mesmo peso à personagem, e isso enfraquece a despedida de Jamie. Mesmo assim, prefiro o Loomis exausto deste filme ao do quinto, porque Pleasance, mesmo cansado, ainda dá alguma dignidade à loucura que se desenrola à sua volta. Halloween 6: The Curse of Michael Myers não é só o primeiro filme da saga produzido pela Miramax dos Weinstein, mas também um dos mais confusos. O que não quer dizer que não possamos rir e desfrutar com ele. Afinal, como não amar um filme que nos presenteia com um pescoço a girar 180 graus?

terça-feira, 22 de outubro de 2024

THE KILLER METEORS (1976)

Killer Meteors é um filme de artes marciais de 1976, realizado por Lo Wei, que trabalhou com Jackie Chan nos seus primeiros filmes. Ele apresenta um argumento aparentemente intrincado e cheio de reviravoltas, mas que acaba por se tornar num dos pontos fracos da narrativa. Jackie Chan, curiosamente, nem é o protagonista desta história, mas interpreta um antagonista secundário, algo incomum para a carreira de Chan, especialmente para o público que quer é vê-lo no papel de herói.

Ora, o filme gira em torno de duas figuras principais: o herói Wei (Jimmy Wang Yu), também conhecido como "Meteoros Assassinos", e seu rival adversário, interpretado por Jackie Chan. A história começa quando o personagem de Chan procura Wei para ajudá-lo a derrotar um inimigo aparentemente invencível, em troca de uma recompensa. No entanto, a trama complica-se com várias traições, segredos revelados e uma série de acontecimentos que tornam a narrativa confusa e, para mim, difícil de acompanhar.


O principal problema de Killer Meteors é mesmo este enredo confuso, cheio de reviravoltas que, ao invés de cativar o público, acaba por se tornar numa experiência mais entediante. A narrativa tenta criar uma intriga com conspirações e surpresas constantes, mas ao exagerar na quantidade de twists e personagens com motivações obscuras, o filme perde-se.

A impressão que se tem é que a história tenta ser mais complexa do que realmente é, criando várias camadas de engano e traição que não adicionam profundidade à narrativa. Em vez de aumentar o suspense ou a tensão, esses twists excessivos acabam por diluir o impacto emocional da história.

Outro problema recorrente é a forma como a narrativa depende de longas cenas de exposição para explicar detalhes do enredo. Em vez de mostrar, o filme opta por explicações verbais, que quebram o ritmo das cenas de ação. As falas, muitas vezes desnecessariamente longas, sobrepõem-se à acção, e isso leva a que o filme se arraste.

Para os fãs de Jackie Chan, Killer Meteors também pode decepcionar por um motivo simples: o papel de Chan é relativamente pequeno e ele aparece como antagonista, uma escolha que não se encaixa no que o público costuma esperar. 

Apesar dos problemas com a narrativa, Killer Meteors ainda oferece algumas boas cenas de luta, embora longe do que se esperaria em termos de ação coreografada de alto nível, especialmente para quem está acostumado com a filmografia posterior de Chan. O filme faz uso de elementos wuxia, como armas exóticas e movimentos acrobáticos, mas a coreografia de combate é mais tradicional e menos criativa do que o que o cinema de artes marciais viria a oferecer nos anos seguintes.

Resumidamente, Killer Meteors é um filme que tenta contar uma história complexa e cheia de camadas, mas que falha ao se perder em reviravoltas exageradas e cenas de exposição mal conduzidas. O ritmo do filme sofre com longas explicações verbais e uma trama confusa, o que resulta num aborrecimento para o espectador. Além disso, para os fãs de Jackie Chan, a escolha de colocá-lo como antagonista secundário é um ponto decepcionante, já que o seu carisma e talento não são plenamente aproveitados.


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

HALLOWEEN (1978 - 1981)

HALLOWEEN (1978)
Halloween (1978) é, sem dúvida, o filme que solidificou John Carpenter como um mestre do horror e deu origem ao que hoje conhecemos como o "pai dos slashers" (sim, eu sei que antes há uma série deles). A simplicidade da história e da execução poderia ser uma receita para o desastre, mas o que temos aqui é uma aula de terror minimalista que ainda é capaz de assustar hoje em dia.

A famosa música de Halloween, composta pelo próprio Carpenter, foi criada por uma razão muito prática: orçamento. Orquestras são caras, mas sintetizadores são baratos. E com um orçamento tão apertado, Carpenter decidiu assumir o papel de compositor. E adivinhem? Funcionou de forma genial. Mas antes de o filme ter essa banda sonora icónica, os primeiros visionamentos foram feitos sem música. Parece que os produtores ficaram perplexos porque... bem, o filme não metia medo. Era apenas um homem estranho a espreitar por arbustos. A música de Carpenter transformou isso em pesadelos auditivos.

Agora, o filme em si é o chamado "slow burn". Uma introdução simples, com dois planos, que já nos coloca no mood perfeito para o que vem a seguir. O genérico, com a abóbora iluminada ao som daquelas notas angustiantes, prepara-nos psicologicamente. É uma espécie de "este filme vai mexer contigo, mas espera só um bocadinho". A primeira cena, passada em 1963, é feita em POV (acho que é esse o termo), num long-shot hipnótico que nos faz sentir como se estivéssemos a espiar alguém, até culminar num contra-plano que revela o assassino: uma criança! Michael Myers, em todo o seu esplendor infantil, acaba de matar a irmã mais velha. Não vemos facadas explícitas, algo que lembra Psycho, onde a violência está mais no que imaginamos do que no que realmente vemos. Agora, imaginem alguém a ver isto pela primeira vez. Uma criança com uma faca na mão, a encarnar o mal puro. É desconcertante.

Logo depois conhecemos o Dr. Loomis, interpretado por Donald Pleasence, que se refere ao Michael como "it" e não "him", o que só reforça a ideia de que Myers não é um ser humano. E aqui começa a lenda do Boogeyman. Michael escapa do hospital, e depois temos o clássico stalker mode ativado. Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), a nossa heroína, fica marcada quando vai deixar uma chave na casa dos Myers. A partir desse momento, ela torna-se a obsessão de Michael. Não há explicação lógica para isso, mas quem precisa de lógica quando se está a lidar com o mal encarnado?

Michael começa a seguir a Laurie por todo o lado, mas sempre de forma... relaxada. Ele nunca corre. Porquê correr? Ele sabe que vai apanhar a vítima eventualmente. O lado mais bizarro de Myers é que ele é meio mirone e até provocador. Há toda uma sequência estranha com a Annie na lavandaria, onde a porta se fecha e ela fica presa. Não, não foi o Michael, mas de alguma forma já estamos a contar os segundos até ela ser apanhada. Spoiler: ela morre no carro, não antes de Myers matar o cão da família, porque, aparentemente, cães também não estão a salvo. E é interessante que a morte da Annie só acontece aos 54 minutos. Sim, o filme leva o seu tempo, mas quando a violência começa, não pára.

Outro detalhe saboroso para os fãs de cinema é a cena em que as crianças estão a ver The Thing (1951), o filme que Carpenter viria a refazer em 1982. Uma piscadela para o futuro, e talvez uma forma de dizer "ei, eu adoro sci-fi, mas por agora vamos focar-nos no terror".

Depois temos o pequeno Tommy. Um miúdo chato que está obcecado com a história do Boogeyman, mas, no final, até tinha razão. O Dr. Loomis, neste ponto, ainda está relativamente normal, parecendo um psiquiatra dedicado. Mas à medida que o filme avança, percebemos que ele começa a descer numa espiral de obsessão com Michael.

As mortes continuam, claro. O namorado da Lynda é espetado numa parede (literalmente) na cozinha, numa das cenas mais icónicas do filme, com Michael a tirar uns segundos para admirar a sua obra. E depois, vem a parte em que Myers decide ser um brincalhão, disfarçando-se com um lençol e os óculos do namorado morto para ir ter com Lynda. E, sim, são as únicas mamas (.)(.) que vemos no filme, caso estivessem a contar.

Finalmente, o tão esperado confronto entre Laurie e Michael acontece aos 77 minutos. Ela foge, desesperada, batendo à porta de um vizinho que, numa decisão "brilhante", decide ignorá-la completamente. Mas o mais perturbador é que Myers nunca corre, só caminha. Porque, lá no fundo sabemos que ele vai apanhar. É uma perseguição física  mas também psicológica.

O momento em que Laurie apunhala Michael pela primeira vez e ele se reanima é a verdadeira transição de Michael de "gajo doido" para o Boogeyman. Até então, ele era apenas um psicopata teimoso. Agora, é indestrutível, o puro mal. Mesmo depois de levar seis tiros do Dr. Loomis e cair de uma varanda, Michael desaparece, e o filme termina com vários planos da casa ao som da sua respiração e da música arrepiante de Carpenter. Não há final feliz aqui. Só resta a promessa de que o mal nunca morre.


HALLOWEEN 2 (1981)

O Halloween II de 1981 começa como se estivéssemos a retomar o final do primeiro filme, mas com uma reviravolta sonora inesperada: em vez da icónica trilha minimalista do John Carpenter, temos... "Mr. Sandman". Sim, essa música doce e sonhadora, que, a meu ver, combina com psicopatas em fuga da mesma forma que sapatos de palhaço combinam com casamentos. Mas adiante. Revemos as mesmas cenas do final de 1978, apenas com um pequeno reshoot do Michael Myers a levar uns tiros e a cair da varanda. Se viram o primeiro filme, já sabem que isto não é problema para ele – o homem levanta-se na primeira cena pós-créditos como se nada fosse, pronto para mais uma noite de carnificina.

Aliás, mal se passam 11 minutos e já temos a primeira morte, uma cena tão rápida que parece que Michael estava a fazer hora extra e precisava despachar-se. Laurie, depois do pesadelo de ser perseguida por um irmão psicopata (sim, já lá vamos), vai parar ao hospital local, onde é atendida por um médico claramente com mais álcool no sistema do que bom senso. E quem é que ainda está mais maluco dos cornos neste filme? O Dr. Loomis, claro! Se no primeiro já parecia estar à beira de um colapso nervoso, aqui está a dois passos de se tornar o próprio vilão. Aliás, num momento particularmente confuso, ele é indiretamente responsável pela morte de um inocente, o que me fez questionar se não devíamos considerar uma intervenção psiquiátrica para ele também.

Agora, falando em intervenção, quem é que pode acreditar num hospital praticamente deserto? Eu sei que é uma cidade pequena, mas um hospital vazio parece mais um cenário de um episódio de Twilight Zone do que um filme de terror. E claro, temos o clássico segurança barrigudo e bigode farto. O pobre homem mal tem tempo de se mostrar, e já está a levar uma martelada na cabeça aos 38 minutos. Cena rápida, sem pinga de sangue – quase uma desilusão.

E, claro, há sempre personagens desenhadas para apimentar as coisas. Uma enfermeira "badalhoca" com mamas (.)(.) proeminentes (porque, por algum motivo, este é um critério de seleção essencial no casting dos anos 80) partilha uma das cenas mais caricatas do filme: um jacuzzi. Sim, um jacuzzi no meio de um hospital. Quem sou eu para questionar a lógica de design hospitalar? Nessa mesma cena, o companheiro da enfermeira é previsivelmente estrangulado, mas o plano foca-se tanto nela que, por momentos, quase esquecemos que estamos a assistir a um assassinato. A cereja no topo do bolo é quando a própria enfermeira é morta, afogada e queimada no jacuzzi. Uma combinação criativa, na melhor morte do filme.

Entre as cenas surreais, há um momento na escola com o Loomis, onde encontramos a palavra "Samhain" pintada numa parede. Para quem está a tentar acompanhar a lógica, é neste ponto que descobrimos que Michael e Laurie são irmãos. Sim, irmãos. E se isto vos parece ridículo, então não estão sozinhos. Esta reviravolta cai no filme como um balde de água fria (ou quente, dependendo do jacuzzi).

Voltando ao hospital, o Dr. Mixter – aquele que parece só estar no filme para morrer – é eliminado fora do ecrã com uma seringa no olho. Outra enfermeira tem um fim igualmente trágico com uma seringa espetada na cabeça. Michael, claro, persegue Laurie ao estilo gato e rato, e há mais uma enfermeira que encontra o destino nas mãos do vilão, desta vez sendo levantada com um bisturi nas costas. Nada de novo aqui, apenas mortes eficazes e diretas.

Ao longo do filme, Michael parece estar mais lento, quase como se fosse uma versão robótica de si mesmo. Talvez seja o peso dos tiros que vai acumulando ao longo da noite. Ele atravessa uma porta de vidro como se fosse feita de papel, corta a garganta de um polícia após levar uns balázios, e continua impassível.

No final, sobra Loomis e Laurie. Ele ainda é esfaqueado por Michael, mas Laurie consegue disparar e acertar-lhe nos olhos, deixando-o desorientado e a sangrar. Aqui entra uma cena de pura tensão: Laurie e Loomis abrem umas botijas de gás e o Loomis, num ato de sacrifício, faz-se explodir junto com Michael. Claro que, como manda a tradição, Michael ainda dá uns passinhos antes de cair.

O filme termina, curiosamente, da mesma forma que começa: com "Mr. Sandman". Talvez seja uma piada cósmica sobre como todos acabam por voltar aos mesmos pesadelos.

Se o Loomis neste filme transformou-se num personagem de exposition ambulante (alguém tem de explicar quem é Michael e por que é que ele continua a matar), o realizador Rick Rosenthal tentou imitar o ritmo mais lento e psicológico do primeiro filme. Mas John Carpenter, que escreveu o guião, pressionou para um ritmo mais frenético, com mais gore e mais vítimas, por causa da concorrência com Friday the 13th. O problema? Enquanto o original de 1978 inspirou centenas de filmes de terror, esta sequela parece ter sido inspirada pelas suas próprias cópias. Em vez de manter a essência original, caiu na armadilha dos clichés do género.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

NEW FIST OF FURY (1976)

"New Fist of Fury" (1976) é um filme de artes marciais realizado por Lo Wei e tem um Jackie Chan naquele que é talvez o seu primeiro papel enquanto protagonista. Lo Wei queria torná-lo como o sucessor de Bruce Lee. Aliás, o filme é uma espécie de sequela do clássico de Bruce Lee, "Fist of Fury" (1972), mas apresenta uma abordagem diferente em termos de estilo de acção e actuação.


O enredo passa-se durante a ocupação japonesa de Taiwan nos anos 1930. Depois da morte de Chen Zhen (personagem interpretado por Bruce Lee no filme original), a sua missão de defender o orgulho chinês e resistir à dominação japonesa é retomada.

Jackie Chan interpreta Ah Lung, um ladrãozeco que inicialmente está relutante em se envolver na luta contra os japoneses; nem quer aprender as artes marciais. O filme começa com um grupo de japoneses que tenta destruir uma escola de kung fu chinesa, algo que já acontecia no primeiro filme. A personagem de Lung acaba por se envolver na luta e é treinado pelos alunos restantes da escola. O arco do personagem de Jackie Chan é bastante marcado: começa como uma pessoa que se está a cagar para tudo, limitando-se a roubar e acaba como um mártir. Ao longo do filme, ele descobre sua força interior e a importância de lutar pela honra e pela justiça. Essa é uma narrativa comum nos filmes de artes marciais, onde o herói passa por uma jornada de autodescoberta.

Um dos temas centrais do filme é a continuação da luta de Chen Zhen, personagem de Bruce Lee, simbolizando a resistência chinesa ao imperialismo japonês. No entanto, "New Fist of Fury" tenta não apenas homenagear o filme original, mas também lançar Jackie Chan como o novo ídolo do cinema de artes marciais. No entanto, nota-se que existe um conflito de estilo. Jackie Chan era ainda muito jovem e inexperiente, sem o estilo próprio de comédia e acrobacias pelo qual nós conhecemos e adoramos. 

O filme reforça o tema do orgulho chinês e a luta contra a ocupação japonesa, um tópico comum nos filmes de kung fu da época. Essa narrativa de resistência é personificada pelo confronto entre as escolas de artes marciais chinesas e os invasores japoneses que tentam desmantelar a cultura e o espírito chinês.

Em última análise, este filme foi uma das tentativas de Lo Wei de transformar Jackie Chan no "novo Bruce Lee", mas essa abordagem não foi bem-sucedida. Jackie Chan tem um estilo de atuação diferente: ele é mais expressivo, carismático e naturalmente inclinado à comédia física. O papel de um herói sério e implacável não se adequava ao que ele faria mais tarde, onde combinaria acção com elementos de humor e acrobacias.

"New Fist of Fury" não foi um grande sucesso comercial ou crítico na época do seu lançamento, e a tentativa de tornar Jackie Chan como o novo Bruce Lee foi um erro. No entanto, o filme é interessante como um marco na evolução da carreira de Chan. 

Pouco tempo depois, ele liberta-se das pressões e expectativas com filmes como "Snake in the Eagle's Shadow" (1978) e "Drunken Master" (1978), onde desenvolveu seu próprio estilo, que junta acção, acrobacias e comédia, o que o levou ao sucesso global.


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

ALIEN: ROMULUS (2024)


"Alien: Romulus" é um daqueles filmes que tem tudo para dar certo, mas acaba por tropeçar nos seus próprios clichés. Não que o filme seja mau – aliás, eu curti muito e mesmo de todo o fan-service. Há muitas piscadelas de olhos aos filmes anteriores da saga que farão os fãs mais antigos sorrirem com nostalgia. Aliás, é quase como se o realizador tivesse uma checklist: Facehugger? Confere. Alien na ventilação? Confere. Personagem aleatório que diz "get away from her..."? Confere. O Ian Holm, apesar de estar morto há 4 anos? Confere.

A banda-sonora, por outro lado, é quase um personagem à parte, e um daqueles que está desesperado por atenção. Em vez de ajudar a criar uma atmosfera claustrofóbica e de medo, ela às vezes parece ter saído de um concerto de heavy metal com uma queda para o drama exagerado. Em momentos cruciais, quando deveríamos estar a suster a respiração, o compositor parece achar que estamos a assistir a uma batalha épica de "Star Wars".

Mas nem tudo é mau! A atriz principal rouba as cenas com um desempenho que nos faz lembrar a velha e boa Ripley. Ela carrega o filme às costas e, sejamos honestos, quando um alien esfomeado está na sala, é bom ter uma heroína que saiba o que está a fazer. Isto tudo com a ajuda do ajudante/meio-irmão/andróide Andy.

Agora, o ato final... Ah, o ato final. Desde o momento em que uma mulher grávida é introduzida na história, adivinha-se que estamos a caminhar para um desfecho um pouco descabido. É como se o argumento dissesse: "Esperem aí, ainda não fomos longe o suficiente!". E quando chega o momento culminante, não podemos deixar de rir e revirar os olhos ao mesmo tempo. Era previsível, claro, mas mesmo assim, não deixa de ser uma decisão de guião muito arriscada. E eu sou daqueles que acha que em sequelas/remakes se deve arriscar. Mas caramba, aquele híbrido....

Em resumo, "Alien: Romulus" é uma mistura de nostalgia, comédia involuntária, e momentos genuinamente bons.