Quando falamos dos monstros clássicos da Universal – Drácula, Frankenstein, o Lobisomem – esquecemo-nos muitas vezes que houve um último a emergir das profundezas para se juntar ao clube: Creature From the Black Lagoon, realizado por Jack Arnold em 1954. Meio homem, meio peixe, completamente icónico: o Gill Man mergulhou fundo na imaginação popular e continua, ainda hoje, a nadar por aí, mesmo para quem nunca viu o filme.
Parece que a ideia nasceu de um mito fascinante: uma lenda amazónica que falava de criaturas anfíbias, com traços humanos, que viviam escondidas nas águas tropicais do rio Amazonas. Esta história foi contada ao produtor William Alland durante uma festa em casa de Orson Welles, e não demorou muito até a criatura ganhar forma.
A história é simples mas eficaz: uma expedição científica descobre fósseis de uma estranha mão com membranas, levando-os a aventurar-se rio acima até uma lagoa remota (o tal Black Lagoon do título). Lá encontram o Gill Man – assim chamado pelas guelras proeminentes e estilo pisciforme – uma criatura ancestral que só quer ficar em paz nas suas águas tropicais. Claro que os humanos, como bons turistas, decidem fazer barulho, tirar tudo do lugar e ainda levar um souvenir vivo para casa.
Jack Arnold, que já tinha tido sucesso com o sci-fi 3D It Came From Outer Space, apostou novamente na profundidade (literal e figurativamente) para filmar esta aventura em três dimensões – uma das primeiras do género. A tecnologia até foi usada de forma criativa, especialmente nas cenas subaquáticas, que ainda hoje impressionam pela fluidez e beleza.
Nos anos 80 houve aquele evento da RTP passar o filme neste formato e isso não ter sido muito bem recebido. Confesso que não me lembro disso.
A forma como a criatura e a personagem Kay Lawrence (Julie Adams) "dançam" debaixo de água é quase poética… se ignorarmos o facto de ele, eventualmente, querer levá-la para o fundo.
A Criatura foi uma proeza de efeitos práticos e design. Ela foi desenhada com base em gravuras bizarras do século XVII de seres marinhos lendários como o "sea monk" e o "sea bishop" – o que explica o seu ar de cardeal escamado. (Isto se acreditar nas curiosidades do IMDb).
Resumidamente, o que diferencia o Gill Man dos seus companheiros góticos é a carga trágica e quase empática da personagem. No fundo, só quer nadar no seu canto, mas é incompreendido, atacado e, claro, usado como espetáculo científico. Pois, o ser humano tem talento para entrar sem bater à porta e depois culpar o dono da casa por não ter deixado o chá pronto.
No fim, o Gill Man continua a ser um dos monstros mais complexos do cinema: um ser pré-histórico, deslocado, ameaçado... e ao mesmo tempo, majestoso. Não é só o terror que me faz lembrar dele – é o sentimento. E talvez por isso, ele tenha um lugar especial no meu coração.
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