sábado, 4 de outubro de 2025

HALLOWEEN 2 (2009) theatrical vs director’s cut



Rob Zombie e o seu Halloween 2! Se a versão de cinema era um soco no estômago, a Versão do Realizador é o soco, o pontapé e a sessão de terapia pós-traumática completa.

A versão que chegou aos cinemas, dizem as más-línguas (e os produtores, provavelmente), era a versão "leve", onde a nossa querida Laurie Strode (Scout Taylor-Compton) ainda parecia ter alguma hipótese de ser uma jovem normal. Ela está toda fodida, sim, mas a esperança, coitada, ainda respira. Isto foi uma manobra de estúdio porque, aparentemente, queriam uma Laurie menos "aborrecida" e mais "apetecível" para o público, como se a palavra-chave para um filme de terror não fosse "terror", mas sim "simpatia instantânea".

No entanto, o Rob Zombie não estava para brincadeiras. Ele olhou para os produtores com o seu cabelo todo rock&roll, apontou o “middle finger” e disse: "Não, meus amigos. A minha Laurie vai ser uma bagunça completa. E o Dr. Loomis vai ser um idiota capitalista ainda maior." E assim nasceu a Versão do Realizador, que é cerca de 14 minutos mais longa e infinitamente mais perturbadora.

Nesta versão, o Zombie, com a sua sensibilidade peculiar, deu a Laurie mais sessões de terapia onde ela é um poço de raiva e paranóia. Ele queria que percebêssemos, alto e bom som, que um trauma destes não se cura com pensamentos positivos e uma caneca de chá. O realizador fez esta escolha deliberada para mostrar a descida ao inferno psicológico de Laurie, refletindo a sua própria interpretação de que ela está, de alguma forma, ligada à fúria de Michael, uma espécie de destino trágico familiar. As cenas de alucinação são mais longas, mais grotescas e a relação dela com Annie é a epítome de uma amizade a colapsar sob o peso do PTSD.

O Dilema dos Finais: Morte ou Máscara?

No final, e apesar de toda a sujidade, raiva e desenvolvimento psicológico que a Versão do Realizador nos oferece – e que, sejamos honestos, a torna a experiência cinematográfica mais rica, corajosa e visceral (o que, para mim, a coloca em primeiro lugar) – chegamos à famigerada última cena.

Na Versão do Realizador, Laurie morre. Sim, ela é baleada pela polícia após ter esfaqueado o Michael. É um final definitivo, trágico e que o Zombie pretendia desde o início como o fecho absoluto para a sua história. Ela acaba num hospício, mas é uma visão, a sua mente a desligar-se, vendo a sua mãe fantasma. É poético, mas também... deprimente. É o Zombie a dizer: "Aqui não há sequelas, amigos. Só miséria."

A Versão de Cinema, contudo, faz a cambalhota. Laurie apunhala Michael e é levada para a ambulância, viva, terminando numa ala psiquiátrica onde tem uma alucinação de si própria a vestir a máscara de Michael. A eterna "porta aberta para a sequela" que os produtores tanto amam! É um final menos "arte", mas mais rock & roll do género slasher clássico: o mal é contagioso, a vítima torna-se no monstro.

E é aqui que me rendo à lógica comercial e à diversão do género: eu prefiro o final da versão de cinema. É mais chocante, mais icónico e tem aquele toque de mau gosto deliciosamente previsível que um bom slasher merece. A Laurie a vestir a máscara e a gritar é a cereja no topo do bolo da confusão, um gancho barato mas eficaz que, ironicamente, funciona melhor para fechar a narrativa de um slasher do que a morte poética de Zombie.

Portanto, tiro o meu chapéu à visão sombria e mais profunda da Versão do Realizador, que é a forma superior de ver o filme, exceto pelos últimos dois minutos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

THE CONJURING: LAST RITES



Em Last Rites, Ed e Lorraine Warren (Vera Farmiga e Patrick Wilson) enfrentam o que se diz ser o caso mais perigoso de toda a saga: uma família chamada Smurl é atormentada por um espelho amaldiçoado, aparições, objetos possuídos, e mais umas cenas sobrenaturais. Paralelamente, vemos Judy Warren (a filha do casal) com o seu namorado Tony e umas coisitas que a atormenta.

O filme abre com um flashback dos anos 60, introduz uma tragédia pessoal dos Warren e tece estas duas linhas narrativas: a dos Smurl, atormentados pelo mal – e a dos Warren lidando com os fantasmas do passado e com Judy, que tenta conciliar os perigos sobrenaturais com os dramas de família. Só no último acto é que tudo converge — espelho, demónios, revelações, etc.

Vera Farmiga e Patrick Wilson continuam a ser os pontos fortes do filme. Eles ainda têm química, e acabam por nos fazer acreditar que há algo real em tudo isto, que estas pessoas veem coisas que nós nem imaginamos — e têm medo. Farmiga, em particular, dá tudo — aquela tensão entre o cansaço, a fé, a culpa, o dever — é material para que ela possa brilhar. Mia Tomlinson como Judy impressiona — leve, mas com camadas. Consegue ser vulnerável sem se tornar irrelevante. (E fui só a mim que ela se parece demasiado com uma jovem Zooey Deschanel?) O elenco dos Smurl, no entanto, sofre um pouco: como são menos desenvolvidos, parecem figuras sobre as quais nos perguntamos “mas por que é que me devia importar tanto?”. Falta o chamado "character development".

Um dos maiores problemas do filme é ele ser demasiado longo. Algumas cenas repetem beats narrativos. A introdução leva bastante tempo a estabelecer as duas histórias (Warrens + Smurls), e só mais para o meio-fim é que as coisas começam a convergir. Há momentos em que sentimos “já vimos isto antes”, ou “quando é que voltamos ao espelho amaldiçoado?”. O filme poderia ter sido mais condensado: cortar umas subtramas menores, diminuir prolongamentos de tensão que incham o ritmo mas não acrescentam sustos novos nem desenvolvimento de personagem.

Esta estrutura narrativa de “duas linhas” é algo arriscado: por um lado adiciona complexidade, profundidade, permite explorar diferentes ângulos; por outro, pode dispersar. Last Rites faz isto: temos os Smurl a lidar com o tormento, e temos os Warrena lidar com o passado, culpa, expectativas. O problema é que, até quase ao final, sentimos que as linhas correm muito separadas, e a interseção poderia ter sido mais suave. O coincidir no último acto é eficiente — há tensão, há confronto — mas custa chegar lá: o público tem de segurar o entusiasmo por muito tempo.

Jump-scares, still alive 

A boa notícia para mim, que gosto de uns bons jump-scares; eles continuam a existir e bem feitos. Alguns são previsíveis, outros funcionam muito bem. Também há momentos com boa atmosfera, uso de ambientes escuros, espelhos, reflexos distorcidos, câmaras que observam antes de mostrar, uso competente de som. Não vai reinventar o género do terror, mas dá conta do recado.

O facto deste filme ser "baseado numa história verídica" não sei se ajuda, muito por culpa da romantização do casal Warren. O filme continua a retratar Ed e Lorraine como um casal quase ideal — dedicado, corajoso, devoto, unido a enfrentar o mal, com muita fé, com pouco conflito pessoal que afete negativamente. Mas na vida real há críticas: o envolvimento deles em certas investigações é controverso; algumas das suas práticas, alegações de autoria, descrições de fenómenos, etc., foram questionadas. O filme, obviamente, escolhe suavizar ou ignorar essas partes mais sombrias/complicadas para manter a mitologia. O risco disto é que a “romantização” torne os Warren demasiado heróicos, unidimensionais ou ideais, o que enfraquece a tensão moral ou psicológica. Se tudo for fé, coragem e sacrifício, falta espaço para dúvida — e medo real.

Finalmente, se compararmos este filme com os anteriores (nomeadamente os dois primeiros) aqui filme tropeça um pouco: o primeiro Conjuring (2013) estabeleceu o standard alto: atmosfera tensa, medo antigo, sensação de “não saber o que vai acontecer” — tudo isso feito com a mestria do James Wan. O segundo supera mesmo o nível, com sequências assustadoras e expansão do mundo sobrenatural, mas sem perder o controlo do tom. este Last Rites não chega lá. Não há tanta originalidade no mal que assombra, nem nos saltos de medo — muitos são previsíveis, ou dependem demasiado de música alta, efeitos sonoros bruscos, câmaras tremidas.
Em termos de impacto e frescura, os filmes anteriores fazem mais com menos: menos explicações, mais ambiguidade. Last Rites tenta compensar com escala, com várias linhas narrativas, com mais acção — o que às vezes dilui o terror. 

No geral The Conjuring: Last Rites vale a pena se formos fãs da saga e quisermos fechar com Ed, Lorraine e Judy. Há bastante material emocional de despedida.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

STAR WARS: RETURN OF THE JEDI (1983)

Se tivesse que escolher apenas um filme da saga Star Wars para levar para uma ilha deserta (com wi-fi e um projetor, claro), seria sem dúvida Return of the Jedi. É o meu preferido desta galáxia far, far away — e não, não me importo minimamente que o Império tenha sido derrotado por um exército de ursos de peluche com paus, pedras e fisgas. Aliás, se isso não é cinema de qualidade, não sei o que será.

A história começa com um resgate digno de telenovela espacial: Luke, agora meio jedi/ meio guru espiritual, vai salvar Han Solo do gangster Jabba the Hutt. Isto tudo culmina com a Princesa Leia num outfit de escrava que, convenhamos, já merecia um Oscar só por existir.E fez de nós, meninos dos anos 80, homens de pelo no peito e alto nas calças.

Mas o que torna este filme especial não é só a acção ou a nostalgia — é o coração. A tensão na luta final entre Luke e Vader é qualquer coisa de especial. É ali, naquele confronto carregado de hesitações, raiva contida e daddy issues, que percebemos o verdadeiro coração da história. Não é a coreografia mais épica da saga (para isso temos as prequelas) mas a carga emocional compensa cada golpe mais lento. E o imperador Palpatine ali no canto dá aquele toque dramático extra.

E depois há Endor. Florestas luxuriantes, pores-do-sol mágicos e uma aldeia de Ewoks que me faz querer largar tudo e mudar-me para lá. As paisagens são de cortar a respiração — parece um anúncio da National Geographic, mas com mais explosões. Toda aquela sequência com os speeders tem mais adrenalina que qualquer merda feita hoje em dia.

No fim, Return of the Jedi é um filme que equilibra acção, emoção e um toque de absurdo delicioso. Porque, sejamos honestos, se ursinhos armados com fisgas conseguirem derrotar um império intergaláctico... talvez haja esperança para todos nós.

sábado, 3 de maio de 2025

CREATURE FROM THE BLACK LAGOON (1954)


Quando falamos dos monstros clássicos da Universal – Drácula, Frankenstein, o Lobisomem – esquecemo-nos muitas vezes que houve um último a emergir das profundezas para se juntar ao clube: Creature From the Black Lagoon, realizado por Jack Arnold em 1954. Meio homem, meio peixe, completamente icónico: o Gill Man mergulhou fundo na imaginação popular e continua, ainda hoje, a nadar por aí, mesmo para quem nunca viu o filme.

Parece que a ideia nasceu de um mito fascinante: uma lenda amazónica que falava de criaturas anfíbias, com traços humanos, que viviam escondidas nas águas tropicais do rio Amazonas. Esta história foi contada ao produtor William Alland durante uma festa em casa de Orson Welles, e não demorou muito até a criatura ganhar forma.

A história é simples mas eficaz: uma expedição científica descobre fósseis de uma estranha mão com membranas, levando-os a aventurar-se rio acima até uma lagoa remota (o tal Black Lagoon do título). Lá encontram o Gill Man – assim chamado pelas guelras proeminentes e estilo pisciforme – uma criatura ancestral que só quer ficar em paz nas suas águas tropicais. Claro que os humanos, como bons turistas, decidem fazer barulho, tirar tudo do lugar e ainda levar um souvenir vivo para casa.

Jack Arnold, que já tinha tido sucesso com o sci-fi 3D It Came From Outer Space, apostou novamente na profundidade (literal e figurativamente) para filmar esta aventura em três dimensões – uma das primeiras do género. A tecnologia até foi usada de forma criativa, especialmente nas cenas subaquáticas, que ainda hoje impressionam pela fluidez e beleza.

Nos anos 80 houve aquele evento da RTP passar o filme neste formato e isso não ter sido muito bem recebido. Confesso que não me lembro disso. 

A forma como a criatura e a personagem Kay Lawrence (Julie Adams) "dançam" debaixo de água é quase poética… se ignorarmos o facto de ele, eventualmente, querer levá-la para o fundo.

A Criatura foi uma proeza de efeitos práticos e design. Ela foi desenhada com base em gravuras bizarras do século XVII de seres marinhos lendários como o "sea monk" e o "sea bishop" – o que explica o seu ar de cardeal escamado. (Isto se acreditar nas curiosidades do IMDb). 

Resumidamente, o que diferencia o Gill Man dos seus companheiros góticos é a carga trágica e quase empática da personagem. No fundo, só quer nadar no seu canto, mas é incompreendido, atacado e, claro, usado como espetáculo científico. Pois, o ser humano tem talento para entrar sem bater à porta e depois culpar o dono da casa por não ter deixado o chá pronto.

No fim, o Gill Man continua a ser um dos monstros mais complexos do cinema: um ser pré-histórico, deslocado, ameaçado... e ao mesmo tempo, majestoso. Não é só o terror que me faz lembrar dele – é o sentimento. E talvez por isso, ele tenha um lugar especial no meu coração.

terça-feira, 15 de abril de 2025

LES TROIS MOUSQUETAIRES: D'ARTAGNAN (2023)


"Les Trois Mousquetaires: D’Artagnan" (2023) é o tipo de filme que grita "produção milionária" em cada frame — mas não num mau sentido, tipo aqueles filmes empacotados em CGI até aos ossos. Nada disso. Aqui sente-se o cheiro da terra molhada, o peso das espadas e o frio dos castelos mal iluminados. Parece que em vez de construírem estúdios, decidiram simplesmente ocupar a França inteira. Cada cena parece gritar: “Isto não foi feito em estúdio, isto foi filmado com cavalos verdadeiros, espadas a sério e provavelmente uma quantidade considerável de lama autêntica.” Resultado? Visualmente deslumbrante, quase dá vontade de vestir uma capa e sair a correr para o campo.

A realização é impecável — Martin Bourboulon conduz a história com a mesma elegância com que um mosqueteiro empunha a sua espada: firme, estiloso e com um je ne sais quoi moderno que nos faz esquecer que esta história tem barbas tão longas quanto as de Richelieu. É um daqueles casos raros em que o respeito pelo clássico não impede o filme de parecer fresco, urgente e com ritmo.

Quanto ao elenco, é tudo gente que sabe o que está a fazer. Ninguém está ali só para posar com espada ou fingir sotaques. Cada um tem o seu momento de brilhar (ou sangrar, ou ambos). E D’Artagnan, interpretado com aquela energia jovem que dá vontade de gritar "Tous pour un!", convence do início ao fim.

  Mas quem me deixou completamente desarmado foi Lyna Khoudri. Que presença! Que olhar! Que beleza! Se fosse eu no lugar de D’Artagnan, o duelo com Rochefort teria acabado mais cedo só para poder voltar mais depressa ao olhar dela. Verdade seja dita: fiquei de queixo caído e, sinceramente, ainda estou à procura dele.  

No fundo, este D’Artagnan é como um bom vinho tinto francês: encorpado, elegante, um pouco dramático e com um final que nos deixa a querer mais. este D’Artagnan é um épico francês que prova que o cinema de capa e espada pode, sim, ser sexy, intenso e cheio de garra no século XXI. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

MOONRAKER (1979)

Sejamos sinceros, se há algo que define Moonraker (1979), além da capacidade de desafiar aquilo que é o "suspension of disbelief", é o facto de levar James Bond a novos patamares – literalmente, até ao espaço! O charme de Roger Moore é algo que ninguém lho rouba, sempre com o  ar de quem parece ter acabado de sair de um anúncio de whiskey. Depois, digamos que este filme mais parece um do género do Johnny English que um Bond a sério. 

O filme começa logo em grande estilo com uma cena de queda livre que desafia qualquer lógica. Ora, o Bond é empurrado de um avião sem paraquedas e, em vez de entrar em pânico como qualquer ser humano normal, faz acrobacias no ar para roubar um paraquedas no último segundo. Qual Tom Cruise, qual quê... Isto é bem ao estilo de Missão impossível. Mas para Bond, é só mais um dia de trabalho.

E não podemos ignorar o MVP deste filme, Jaws, o gigante com dentes de aço (que transitou do filme anterior) que passa metade do filme a tentar matar Bond e a outra metade a desenvolver um romance improvável com uma loira franzina... Porquê? A resposta é "e porque não!"
O vilão Hugo Drax, por outro lado, parece um empresário milionário que decidiu que exterminar a humanidade, ao esmo tempo que recriava uma raça perfeita no espaço. Papel que poderia ser interpretado na perfeição hoje em dia pelo Musk ou pelo Trump. O seu plano é ridiculamente exagerado, mas combina bem com o tom do filme. Afinal, temos um vilão com um exército de capangas meio patetas e cães assassinos, que estão lá para protagonizar a cena mais macabra de toda a saga (à excepção daquela tortura que o Daniel Craig sofre no Casino Royale).

E Bond não pode ser Bond sem as suas "girls". Bond é tão bom que pratica o coito em qualquer ponto do planeta – e fora dele. Selvas, aviões, estações espaciais… se existe gravidade ou não, pouco importa. A última cena, com Bond em órbita, é tão absurda que até Q comenta: "My God, Bond is attempting re-entry!" Um trocadilho tão descarado que faria corar o Quim Barreiros.

No fundo, Moonraker é um filme que ultrapassa os limites do ridículo e entra diretamente na categoria de "tão mau que é bom". E essa é a beleza deste filme: é uma paródia involuntária de si mesmo, um espetáculo de exageros que nos lembra porque é que amamos (e gozamos com) James Bond.